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Elas estão por toda parte, lindas, leves, cheias de vontades. Pobres corações desavisados infartam em prestações, enfraquecem lenta e docemente. Há quem resista um pouco mais, há quem padeça de imediato, mas todos se entregam amiúde. Seus encantos são variados, suas belezas têm todas as cores e seus amores são para poucos afortunados – um bilhete de loteria quase intangível. (Se tiver a sorte, agradeça.)
Aos poucos, o padrão vai deixando de ser padrão. É uma batalha diária sob os holofotes insanos da comparação e que vai além de questões estéticas. Suas capacidades são colocadas em dúvida principalmente por julgadores de capacidade mais que duvidosa. É sabido que tentar exorcizar no outro os próprios demônios é fórmula antiga e desgastada, mas que ainda encontra séquitos sequiosos. (Quem não conhece seus representantes?)
Elas sabem do que são capazes, percebem olhares, domam sentimentos sem esconder por inteiro o que sentem. Deixam pistas, pequenos sinais de consentimento ou admoestação; elas são para bons entendedores. Reparam sem reparar ou fazer reparos explícitos, dominam a arte sutil do disfarce – quando querem, evidentemente – e até submetem-se por boas causas desde que a taxa de juros compense. (Nunca se faça de rogado!)
Entender o ser humano e suas relações é uma necessidade reincidente, que se torna ainda maior diante da figura feminina por tanto tempo obrigada a conviver com elogios baseados no menosprezo, na imputação tóxica de um sentimento de inferioridade. Para elas, é trabalho dobrado: ter que superar a resistência do ambiente e a própria, porque assim lhes quiseram fazer crer. (Felizmente, os tempos começam a ser outros.)
Mais do que especiais, as mulheres são essenciais.
É necessário que elas ocupem seus espaços sem qualquer melindre, da forma que bem entenderem e que lhes é de direito. Mas, principalmente, é preciso que nós, homens, entendamos de uma vez por todas que o machismo não cabe mais nem na forma de piadinha sem graça. Não existe brincadeira inocente quando a discriminação vem antes, quando o preconceito se camufla em meio a risadas alimentadas pela ignorância.
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(Creio realmente que os tempos começam a ser outros. Admito, porém, que minha convicção balança quando vejo os números da violência doméstica e de feminicídios.)
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INSTANTE NA ESTANTE
“Até mesmo algumas de suas pinturas que foram terminadas, ou quase – Ginevra de’ Benci e Mona Lisa, por exemplo –, nunca foram entregues aos seus clientes. Leonardo se apegava às suas obras favoritas, levava-as consigo nas mudanças e voltava a elas quando tinha novas ideias. Ele certamente fez isso com São Jerônimo, e pode ter planejado o mesmo para A adoração dos magos, que confiou ao irmão de Ginevra para que guardasse, mas jamais vendesse ou se desfizesse dela. Ele não gostava nada de abandonar as obras. E por isso morreria com algumas de suas maiores obras-primas ainda aos pés da cama. Por mais frustrante que isso seja para nós hoje em dia, havia um aspecto doloroso e comovente na relutância em declarar que uma pintura estava pronta e abandoná-la: Leonardo sabia que existiria sempre algo a mais para aprender, novas técnicas para aprimorar e novas inspirações que pudessem surgir. E ele tinha razão.”
Leonardo da Vinci – Walter Isaacson (1952)