Por Alan Caldas – Editor (De Santiago de Compostela – Espanha)
Chegamos em Santiago de Compostela. Terra da mais importante peregrinação cristã.
Já estive aqui várias vezes. A Igreja é simplesmente INCRÍVEL. Tão imensa, levou 250 anos para ser construída.
Na vida, nada que é grandioso vem da noite para o dia.
Assisti muitas missas aqui, noutras viagens.
Mas, réu confesso, nunca me emocionei. Sempre sermões técnico. Padres frios. Bons, mas frios. E sermões nunca empolgantes. Nunca a palavra viva que se lê na Bíblia.
A igreja de Santiago tem diversos confessionários em diversas línguas. Os peregrinos chegam diariamente aos milhares, sedentos de conforto para a alma e de absolvição para os pecados naturais da carne.
Desta vez olhei para o Céu.
Rezei. Pedi para sermos surpreendidos por um sacerdote realmente Pescador de Homens, como disse o Cristo.
Após grande preparo musical, com órgão e incenso, inicia a missa.
A Missa dos Peregrinos, das 19h30. Igreja lotada. Fiquei em pé.
Estava até o arcebispo de Zaragoza. Estavam os cantores gregorianos.
Então começa o Sermão. Preleção de um sacerdote com 42 anos de sacerdócio. Ao invés do clássico, o Sermão técnico e desprovido de sentimento, ele disse:
– Hoje vou contar minha história de 42 anos neste ofício de Pescador de Homens para a fé cristã.
Ouvi aquilo. Tremi.
Meus olhos se encharcaram. E o padre Ângelo lembrou sua infância, seu desejo de ser amigo de todos. Narrou suas muitas horas de leituras, suas dúvidas sobre ser do Bem. Ou do Mal. Contou que na infância sonhou ser rico. Sonhou ser astronauta. Sonhou viajar pelo mundo. Sonhou amar, casar. Sonhou ter amigos influentes. Contou que leu muito. Que debateu muito. Que jamais ficou do lado dos mais fortes por comodismo. Contou que sempre acreditou em paz e vida digna para todos. Contou que deixou de crer. Mas que Deus lhe tocou o coração e voltou a crer.
Seu Sermão ecoava pela imensa igreja. E nós todos, nas várias naves, ouvindo estarrecidos e num silêncio libertador. Citou poemas. Lembrou guerras. Falou de amores que vêm e vão. E seguiu como que contando nossas vidas, como que beliscando a minha história em cada palavra que tal qual mágica jorrava doce e fortemente de sua boca.
Fui às lágrimas várias vezes. Me vi nas palavras do padre Ângelo. Me senti tão fraco que quase me faltava forças para ficar sobre as pernas. Mais de uma vez entonteci de emoção e acreditei que iria despencar da pose humana e cair ao chão. Era como se ele estivesse falando para mim. Senti uma emoção que nunca havia sentido em milhares de missas.
Deus tem uma hora para cada um de nós, pensei.
A minha era aquela!
Me emocionei profundamente.
E, enquanto ele falava, orei por minha mãe e meu pai, meus avós, bisavós e tetratataravós que me permitiram ter este corpo. Orei pelos meus filhos. Pelos da Angela. Pelos irmãos, tios e tias. Orei pelas pessoas que trabalham comigo. Orei pelos que me amaram. Pelos que me traíram. Pelos que traí a confiança. Pelos que sofreram por mim. Pelos que me fizeram e fiz sofrer.
Ao final, fui falar com o padre Ângelo, na Sacristia. Ele me recebeu sorrindo. Me abraçou num silêncio de congelar tristezas. E o vi como um anjo recuperando minha fé e esperança na Igreja que amo.
Agradeci a Deus tudo que vivi e vivo. E reconheci, como disse Shakespeare, que “entre o Céu e a Terra há muito mais do que imagina nossa vã filosofia”.
Fui para casa em completo silêncio. E paz. E nunca dormi tão bem nos últimos 40 anos.