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Com quase 8 bilhões de pessoas no mundo, é meio óbvio que exista alguém em algum canto do globo com a minha fuça, assustando incautos ou, me parece improvável, despertando paixões alucinadas. Diria que com relativa frequência cruzamos com desconhecidos que nos lembram um amigo, um parente, um famoso ou anônimo.
Pois saiba que a ciência, sempre ela, pode ter explicação para isso.
A notícia é da revista Trip:
No ensaio I’m not a look-alike! – algo como “Não sou sósia”, em português –, o fotógrafo canadense François Brunelle clicou pessoas tão parecidas que poderiam facilmente se passar por gêmeas, mesmo não tendo nenhum parentesco entre si. A ideia fez tanto sucesso na internet que alguns cientistas decidiram estudar se havia alguma relação genética entre aquelas pessoas. Recentemente, eles publicaram sua descoberta: além das feições, as pessoas fotografadas por Brunelle também dividiam semelhanças de DNA, altura, peso, hábitos e até comportamentos. O estudo analisou o material genético de 32 pares de sósias das fotografias e metade, ou seja, 16, apresentou o DNA tão semelhante quanto seus rostos.
– Essas pessoas realmente se parecem porque compartilham partes importantes do genoma, ou a sequência de DNA – disse um dos pesquisadores ao The New York Times.
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Será mesmo possível, para além da aparência acidental (ou nem tanto), replicar vícios e virtudes, bondades e inadequações de comportamento?
Porque somos tipos humanos variados, somos também únicos por aquilo que nos diferencia, nos aproxima e aprisiona no mesmo espaço atemporal. Sósias ou não sósias, importa sermos socialmente mais responsáveis e receptivos, escutando ao invés de apenas ouvir, estendendo o melhor de nós ao invés de apenas cobrar. Custa tentar? (Custa!)
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Ainda que alguns tergiversem, não admitam, somos da mesma cepa, matriz por vezes feliz, outras tantas claudicante. Convém não esquecer que o antagonismo resguarda mais parecenças do que se imagina, vide o modus operandi de políticos. (A propósito, repare a quantidade de ‘sósias’ que se reproduzem no horário eleitoral, outra prova inequívoca do nosso senso fajuto de originalidade.)
Maldade minha? Claro que não!
Só um lembrete, ainda que batido, do quão desnecessário é cuspir em qualquer direção. Poupe saliva, destape os ouvidos, areje a cabeça e o coração. Custa tentar, mas não tentar pode ser pior.
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INSTANTE NA ESTANTE
Às vezes ela se inclinava e me beijava na testa. Ela devia saber que eu estava duro, porque dia sim, dia não eu encontrava uns dólares no meu bolso. Eu tentava lavar a louça, mas ela não deixava. Bem alimentado e descansado, eu ia para meu quarto e encarava o monstro negro que era a minha máquina de escrever, fitando-me ferozmente com os dentes brancos arreganhados. Às vezes eu escrevia dez páginas. Não gostava daquilo, porque sabia que, sempre que eu era prolífico, também era uma droga. Eu era uma droga a maior parte do tempo. Tinha que ser paciente. Eu sabia que aconteceria. Paciência! Era a última das minhas virtudes.
Um dia, havia uma surpresa na minha correspondência. A carta cintilou na minha mão. Reconheci-a instantaneamente. Era uma carta de Ginger Britton, perfumada com fragrância de gardênias. Levei-a para meu quarto, sentei na cama e a abri, uma carta de estilo imponente e caligrafia elegante. Ginger Britton me agradecia por minha carta. Apreciara tudo que eu tinha escrito e estava encantada. Infelizmente, não poderia me encontrar para cear porque estava certa de que seu marido jamais permitiria, mas insistia para que eu fosse seguidamente ao Follies para assistir à sua apresentação.
Sonhos de Bunker Hill – John Fante (1909-1983)