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Weintraub anda desanimado, cabisbaixo.
Desconfio que seja efeito da cloroquina.
Não, nenhuma relação com o medicamento. Culpa da paródia que fizeram com o clássico Florentina, do grande Tiririca, como se fosse possível parodiar algo tão rocambolesco. Tamanho atrevimento, creio eu, foi justamente o que lhe feriu sobremaneira.
Meu cachorro estava comigo no sofá, a cabeça escorada em minha perna (não lembro se esquerda ou direita), quando acessei o vídeo da notícia no Instagram do jornal O Estado de S. Paulo. No sugestivo cercado em que se acotovelam diariamente os admiradores do nosso presidente, um grupo começou a entoar:
Cloroquina, cloroquina
Cloroquina lá do SUS
Eu sei que tu me curas
Em nome de Jesus
Ao ouvir a letra e a melodia, Weintraub aguçou os sentidos e ergueu a cabeça. Terminado o vídeo, pulou do sofá e saiu se arrastando, pesaroso. Antes de dobrar a esquina para a cozinha, ainda virou-se para fitar o celular em minhas mãos, como que dizendo:
– Gracejos infames? É isso o que resta a vocês? Pois prefiro urinar em postes e defecar em jornais.
Meu cachorro é sensível, diria até sensitivo. Demonstra uma polidez digna da pomposidade do seu nome. Aliás, repare que Weintraub em momento algum se vale de verbos prosaicos como mijar, cagar. Tem gostos e manias peculiares, esse meu cachorro. Nada contra Tiririca, mas prefere Maria Bethânia. E sobre Florentinas e cloroquinas, prefere não opinar; considera não ter estofo para tanto. (Nem eu.)
*
Por falar em Bethânia, chega a ser comovente presenciar a reação de Weintraub quando toca Luz Negra. A canção de Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso mexe demais com ele, principalmente no momento em que a voz firme da intérprete encontra os seguintes versos:
A luz negra de um destino cruel
Ilumina o teatro sem cor
Onde estou desempenhando o papel
De palhaço do amor
Mais de uma vez, percebi Weintraub apertando os olhos úmidos, tentando sufocar um quase imperceptível nó na garganta. Entendo meu cachorro: todos nós, de algum modo, somos palhaços. Palhaços do amor, palhaços da dor, palhaços do riso, palhaços da lágrima que nos pinta o nariz de vermelho e transfere para o espelho aquilo que nem sempre estamos dispostos a encarar. E Weintraub sabe, também, que no amor, além de palhaços, às vezes somos cachorros...