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No curto espaço de duas semanas, o Brasil perdeu Gal Costa e Erasmo Carlos, dois grandes nomes da sua música popular. Não faz muito, descobri que a canção Meu Nome é Gal foi composta por Erasmo para um dos primeiros discos da cantora.
A história é curiosa:
O ano era 1969 e Erasmo andava indignado por não ser bem aceito na elite brasileira, principalmente a paulistana. Quando o empresário Guilherme Araújo o procurou para compor uma música para o segundo disco de Gal, resolveu dar um tapa de luva: E não faz mal / Que ele não seja branco, não tenha cultura / De qualquer altura, eu amo igual / Meu nome é Gal / E tanto faz / Que ele tenha defeito ou traga no peito crença ou tradição / Eu amo igual.
Na época, em entrevista ao famoso Pasquim, Erasmo explicou:
– No Rio a menina pode morar em frente para o mar em Ipanema, milionárias, chega para uma amiga e diz: ‘sabe quem eu tô namorando? O Zeca do Leme’. E o Zeca é o maior pilantra, mas ela tá namorando ele, não quer nem saber, janta na casa dele, ele vai na casa dela. Em São Paulo, não. A menina chega e diz: ‘Olha, estou namorando o João’. E a outra diz: ‘João de quê?’ É isso que eu sou contra. Em “Meu Nome é Gal”, eu e Roberto (Carlos) fizemos a música baseados nisso. O problema me aflige muito, mais do que a ele que é casado, porque estou cansado de namorar menina paulista, ligar pra casa dela e não poder dizer que sou eu, porque se disser o pai dela mata ela e me mata.
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Por falar em memórias da música, tempos atrás Chico Buarque contou em um programa do Sesc Pinheiros como surgiu a famosa capa do seu primeiro álbum (1966), cuja imagem virou meme:
– Eu estava em um estúdio fotográfico e queria tirar uma foto séria, queria me impor como um compositor sério, e eles achavam que eu ficava mais bonito quando sorria. Então tiraram várias fotos, sorrindo, sério, não sei o quê e tal, e eu fui ver a capa pronta! Eles fizeram a vontade deles e a minha... E ficou essa capa absurda que virou meme. Cada vez que eu vejo, mesmo sem ser meme, eu digo: ‘Que absurdo isso aí’.
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É por essas e outras que não dispenso uma boa biografia, principalmente de artistas da música. (A da Rita Lee é bem... Rita Lee!)
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INSTANTE NA ESTANTE
Sim, é um clichê. Sou mais uma a dizer que o lugar onde mais me sentia em casa era no palco. Lá somos bem mais porretas do que fora dele. No meu caso, se uma barata pousasse em mim enquanto cantava, era bem capaz de dar uma de Clarice Lispector e comer a nojenta tipo “o que a gente não faz para divertir as pessoas”. O altar do palco é viciante, o lugar mais seguro para se viver perigosamente. Podia estar com cólica, piriri, dor nas costas, de luto, no que abria a cortina lá estava miss-saúde-simpatia. Até quando o som pifava no meio, como muitas vezes acontecia, a boba da corte dava um jeito de tirar proveito do mico.
Certa vez, depois de um show, a imprensa local de uma cidadezinha veio me cobrar porque proferi barbaridades sobre rodeios justamente onde estes eram a grande atração do pedaço. Nada educada, respondi: “Não tenho rabo preso com essa gentalha daqui e nunca aceitei cachês superfaturados desses eventos escrotos para fazer vista grossa enquanto caubóis de araque laçam bezerrinhos”. Além de processada, fui crucificada, morta e sepultada, mas na terceira instância ressuscitei e ganhei na justiça.
Hoje, para um artista se dar bem, ele tem que vender a alma ao cartel empresarial, que por sua vez vende a alma ao cartel político, que vende a alma ao cartel da poderosa nova ordem mundial. Muito diabo pra pouco caldeirão.
Rita Lee: uma autobiografia – Rita Lee (1947)