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Não embarque na primeira.
Duvide se for preciso.
Vivemos uma escassez de fontes cristalinas, com muita informação salobra navegando em rede. Há de se ter sempre um pé atrás e as duas mãos conscientes para não chafurdar em certezas fabricadas. A palavra escrita é tão ou mais instantânea que a palavra dita nestes tempos de acessos ilimitados. Por incrível que pareça, parece que estamos pensando mais antes de falar do que antes de escrever.
Na contramão dos acessos (de fúria), nossa coerência anda bastante limitada. Sofremos de uma carência atroz por reconhecimento, mesmo que para tanto nos falte conhecimento. A questão não é ser mais inteligente: é ter maior predisposição para aceitar o que é diferente, não apenas o conveniente.
Por exemplo:
É curioso ver aqueles que aplaudiram mensagens vazadas no passado, agora se rebelarem contra os vazamentos que envolvem o ministro da Justiça. Assim como chega a ser cômico presenciar quem sempre defenestrou grandes veículos como a Veja, hoje compartilhar suas matérias nas redes sociais. Não há problema em mudar de opinião – só muda quem tem, já foi dito. O que chama atenção é a velocidade com que pulamos a cerca.
Tudo muito compreensível...
Afinal, imparcialidade é mito. (‘Mito’ o substantivo, não o adjetivo que banalizou, virou comum, quase vulgar.) Ninguém é feito de vácuo. Somos compostos de fragmentos, alguns residuais anteriores ao nascimento. São partes de muitas partes que partem de outras partes. Mas isso não significa que precisamos exercer nossas preferências de forma deliberada, ainda mais quando a situação não se mostra moralmente aconselhável.
O que precisa ser exercida (e exercitada) nestes casos é a nossa capacidade de discernimento. Creio que todos nós temos um mínimo de discernimento, mesmo que tal capacidade se encontre, por vezes, soterrada em meio a camadas de preconceito, medo e ignorância.
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O físico americano Leonard Mlodinow, 64 anos, recomenda uma boa dose de ceticismo em relação a tudo. Segundo ele, as pessoas têm como padrão uma preferência por acreditar quando ouvem algo novo, ao invés de questionar. Mlodinow disse, em recente entrevista ao jornal Zero Hora, que os pais devem ensinar suas crianças a serem céticas, a não acreditar em tudo que ouvem e a aprender a pensar por contra própria.
- A ignorância é um grande problema em todo o mundo. Não tenho uma resposta, mas defendo a educação. As crianças precisam ser ensinadas sobre como o mundo funciona, ensinadas a ser céticas e a questionar as coisas, em vez de simplesmente aceitar as coisas. Essa é a chave. Quanto mais isso ocorrer, teremos menos idiotices como essas. Para mim, as pessoas que negam a mudança climática ou dizem que as vacinas são ruins não sabem como pensar. Muitas vezes, são motivadas por interesse próprio. Uma pessoa que trabalha em uma empresa de petróleo pode negar a mudança climática porque sabe que isso (o petróleo) dá dinheiro. Esse pensamento também pode ser não intencional. Em um nível inconsciente, você pode não pensar pelos fatos, mas pelo interesse próprio. A única solução que vejo é as pessoas aprenderem a ser céticas, racionais e lógicas – afirma o físico.
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Portanto, não embarque na primeira.
Duvide se for preciso.
Só não ponha em dúvida quem lhe respeita. Tanto quanto mais amor, andamos carentes de mais respeito.
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Sobre a imagem
O Pensador (francês: Le Penseur) é uma das mais famosas esculturas de bronze do escultor francês Auguste Rodin. Retrata um homem em meditação soberba, lutando com uma poderosa força interna. Originalmente chamado de O Poeta, a peça era parte de uma comissão do Museu de Arte Decorativa em Paris para criar um portal monumental baseada na Divina Comédia, de Dante Alighieri. Cada uma das estátuas na peça representava um dos personagens principais do poema épico. O Pensador originalmente procurava retratar Dante em frente dos Portões do Inferno, ponderando seu grande poema. A escultura está nua porque Rodin queria uma figura heroica à la Michelangelo para representar o pensamento assim como a poesia. (Fonte: Wikipédia)