Por Alan Caldas – Editor (De Consuegra, Espanha)
Você anda pelo mundo e um dia a placa de estrada diz: Consuegra.
Consuegra? Consuegra, Consuegra... ah, sim, é a terra da Espanha, em La Mancha, onde Cervantes se inspirou para a famosa batalha do Fidalgo Dom Quixote contra os moinhos de vento.
Moinhos que ele, em sua ilusão, via como monstros, e sendo ele um Cavaleiro, lhe incumbia derrotá-los.
O fim é trágico, por óbvio. Mas a explicação de Dom Quixote para Sancho Pança, seu fiel escudeiro, é simples:
– Os “monstros” estavam magicamente enfeitiçados pelo bruxo, e daí sua força descomunal, capaz, mesmo, de vencer um fidalgo Cavaleiro.
E ele e Sancho, que a esta altura demonstra tal admiração por Dom Quixote que já começa a viver suas fantasias alucinadas e alucinantes, partem para outras batalhas e desafios.
Dom Quixote se tornou o maior clássico das chamadas Obras de Cavalaria, que narram feitos e misérias dos exércitos e guerreiros da Idade Média. Dom Quixote de La Mancha (El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha) é obra do escritor espanhol Miguel de Cervantes. Foi publicada em duas partes. A primeira em 1605. A segunda dez anos depois, em 1615.
Traduzido para inglês e francês, tornou-se imediatamente o livro mais publicado da época, e hoje, 400 anos depois, é o segundo livro mais lido no mundo. Se você quiser aprender espanhol basta ler Dom Quixote. Sai de lá falando, tal a fluidez do texto. É o livro da Espanha.
A época em que foi escrito explica muito do grandioso sucesso.
Naquele período, a situação era mais ou menos assim:
Na sequência do regime absolutista do rei Felipe II, que vivia grandiosamente, a Espanha enfrentava uma fase de pobreza causada pelos gastos militares e expansionistas do rei. No livro, nota-se a miséria dos muitos indivíduos que, então, enganam e roubam para sobreviver, contrastando com os heróis dos famosos romances de cavalaria.
Dom Quixote trava diversas batalhas imaginárias. Enfrenta um rebanho de ovelhas que imagina serem guerreiros. Noutra, ele livra ladrões das mãos da polícia, porque seus crimes eram amor e poesia, que não é digno de pena.
Quixote vive a vida atrás de uma razão de viver. Dulcineia, sua amada imaginária, era, de fato, um amor de adolescência de Quixote. Seu cavalo. Sua armadura. O encontro com duques e duquesa. A busca incessante por encontrar um “bom combate”. Quixote vive como Cavaleiro muito mais que nem mesmo os famosos “Cavaleiros” viveriam.
Presos ao mundo real, os Cavaleiros viviam uma vida miserável. Preso à sua imaginação Dom Quixote faz-se grandioso. Incrivelmente sedutor, como sedutora é a loucura.
No final, derrotado por um amigo que arma uma batalha imaginária e o derrota na esperança de que Quixote vença a “loucura”, ele retorna para casa. Retoma a sanidade. Desculpa-se com Sancho Pança e com uma sobrinha e esse amigo, pelas loucuras que fez.
No entanto, em seu Epitáfio fica essa grande dúvida do livro:
– Ele era realmente louco ou um burguês que, cansado da monotonia insuportável da vida comum partiu para aventuras que ele próprio criava, buscando encontrar uma razão melhor para viver a grande aventura a que chamamos vida?
Não cabe julgar. Quem sou eu. Mas prefiro acreditar que Dom Quixote se tornou Dom Quixote porque foi atrás do que, para ele, seria uma vida grandiosa e diferente da tediosa que viveria se essa outra não tivesse sido “criada” por ele mesmo.
Consuegra é pequena. Tem um incrível rio enorme e completamente seco. Mas ali no morro de Consuegra, bem a vista de todos, estão os moinhos de vento que Dom Quixote bravamente enfrentou. E essa visão é realmente grandiosa, quando se conhece a linda história do romântico e bravo Fidalgo de La Mancha.