Por Alan Caldas – Editor (De Granada, Espanha)
Postei o vídeo de um show na casa Templo Flamenco. Me faça um favor: vá no Facebook do JDI e veja. É rápido.
Esse Templo Flamenco fica em uma “cueva” (uma caverna) incrustada na montanha de Albacin, o bairro cigano aqui de Granada, na Espanha.
O bairro todo foi tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade.
O vídeo é uma pequena parte do show. Mas, se assistir, repare nos gestos de mãos. De pés. De olhos. De boca. De saias.
Tente “ouvir” o sentimento.
Tudo isso mistura-se ao som de guitarras e percussões que vêm da Idade Média, das guerras tribais, do medo e coragem.
Ouça o bater de mãos. É muito mais que um bater de mãos. É um bater de história, de sofrimento, paixão, amor e ódio, desgraças e alegrias.
É um canto e dança tão apaixonado, que mesmo não entendendo as palavras somos profundamente tocados pelo sentimento que elas envolvem.
Flamenco, senhora e senhor leitor, é a poesia cantada e sapateada do tempo, esse vilão que a todos nós tanto nos atropela quanto encanta.
Esse grupo do Templo do Flamenco e essas duas senhoras, em especial, mostram com magistral interpretação cigana, a história de séculos e séculos da “fuga geral dos ciganos”.
Mas, e o que é o Flamenco?
É a mistura de muitas vivências. Uma miscelânea cultural de árabe, judaico e cigano.
É original de Granada. E, no início, foi associado à prostituição. À violência. Ao sexo. À vida mundana.
Se assemelha (a meu modesto ver) ao tango argentino.
O tango surgiu no Puerto de Buenos Aires e a sociedade o considerava tão “bagaceira” e pervertido que nem mesmo as damas da noite aceitavam dançá-lo nos prostíbulos.
O tango era, então, dançado em El Caminito apenas entre homens. E homens da pior laia. Os ditos “compadritos”.
Com o flamenco passou algo assim, até que foi surgindo em festas infantis que tinham apresentação alegórica de ciganos, lá pelo fim dos anos 1800.
Depois, como o flamenco ainda não tinha se lavado nem livrado dos vícios, esse ritmo foi afundando novamente.
Então, fez-se a luz.
Nas décadas seguintes, já nos anos 1900, o flamenco alçou voo e tornou-se “cult”, graças a diversos intelectuais que viram nele uma cultura real das manifestações ciganas com mescla de outras culturas.
Foi assim que o flamenco, ombreado e protegido, agora, pelos que têm no cérebro bagagem suficiente para sustentar o que dizem pela boca, tornou-se uma manifestação artística universal.
Tornou-se, também, a partir disso, reconhecidamente “de Granada”, cidade que é de fato e de direito a “Terra do flamenco”.
A música é o canto “jondo”. Pesquisadores dizem que o Jondo (ou Hundo) é o dialeto andaluz, e que “Jondo” viria da frase hebraica (judaica) “jom-tob” ou “yom-tob”, a parte final de algumas canções que se escuta e canta nas sinagogas judaicas.
Embora a Espanha atual seja moderníssima, é indiscutível que toda vez que ouvimos o soar das cordas de uma guitarra cigana imediatamente nossa mente grita:
– Espanha!!! Espanha!!! Espanha!!!