Por Alan Caldas – Editor
Desde que abrimos o Jornal Dois Irmãos, lá em 1983, no século passado, logo encontramos aqui Flávio Scholles. O Flávio que, sem saber, eu já conhecida da Folha da Tarde e Correio do Povo, em Novo Hamburgo, quando ele e os pintores Marciano Schmitz e Carlos Alberto de Oliveira integravam o movimento cultural Casa Velha, lá em Hamburgo Velho.
Flávio estudou Belas Artes graças ao apoio de Leonel Brizola. E o destaque veio porque suas pinturas contam a história dos imigrantes alemães naquele amontoado de riscos, traços e cores vibrantes.
Arte é o que estando escondido o artista tira para a luz e nos mostra. E essa sempre foi a grande “sacada” do Flávio: contar a história e as estorinhas dos descendentes de alemães que vivem aqui. Seus quadros apontam para e desnudam a alma, o etéreo inexplicável e lindo que existe no “ser” alemão que migrou para o Brasil e aqui produziu cultura e tudo que temos.
Seus quadros foram sempre a história dos brasileiros-alemães no Vale do Sinos. Não falha um. E isso o fez ser tão importante, destacado e luminoso como artista em meio ao grandioso movimento industrial que se transformou o Vale do Sinos dos anos 1960 para cá.
Nascido na pequena e linda São José do Herval, interior de Dois Irmãos (e hoje Morro Reuter), Flávio penou para que os arredores dele compreendessem que ser pintor era, sim, uma profissão. No início, se ele dizia que era pintor, muitos, suponho, devem ter imaginado que ele pintava casas. Mas Flávio não era agricultor, não era colono, era isso também, é claro, porque seguimos sendo a cultura em que nascemos. Ninguém transcende seu tempo. Porém o Flávio nasceu para representar os alemães nas artes plásticas a qual ele se propôs.
Flávio vê isso. Sempre viu isso. Tanto que ainda hoje ele filosofa sobre sua arte. Entende cada tela sua como uma semeadura de consciência, uma lâmpada a iluminar a cultura desta região. Sua frase é a do Tolstói, o tal “fale sobre tua aldeia e serás universal”. Essa é a parte poética do Flávio Scholles, e seus quadros narram isso sempre, sempre e sempre.
Expressionista cubista, Flávio desde o princípio fugiu do desenho “bonito”. E certa vez, enquanto tomávamos chimarrão, ele dizia que para desenho bem feito já se tinha a máquina fotográfica. Seus quadros deveriam, portanto, ser a arte de tirar do esconderijo e escuridão cultural a história dos descendentes de alemães que fizeram o Vale ser o que o Vale é.
Cheguei a colecionar quadros do Flávio. Tive mais de 20. E acredito ter sido o primeiro a levá-los ao exterior, quando, em 1988, viajei com um tubo repleto de telas dele e as expus no hall do hotel Rossia, em Moscou, e depois os apresentei em galerias de Helsinque, Estocolmo e Copenhage. Quando voltei, o Flávio me presenteou pintando um lindo quadro que hoje se encontra em Novo Hamburgo.
No sábado fui passear com meus filhos, Adam e Benício, e fomos direto ao atelier dele, em São José. Por coincidência estava abrindo o atelier pela primeira vez depois da pandemia de Covid-19. Fomos os primeiros “clientes” a visitá-lo. E descobri que nesse novo livro do Flávio estão quadros em braile. Quadros que cegos podem, passando a mão, ir “lendo” e reconhecendo a obra do Scholles.
Fiquei impressionado. O Flávio foi o primeiro que ouvi falar de Quadros Que Falam. E, agora, desponta com quadros para deficientes visuais. Não é pouca coisa. Quadro que cego enxerga não é pouca coisa.
Aos 72 anos, o Flávio segue sendo o mesmo Flávio que admirei desde o primeiro dia em que o vi. É um dois-irmonense de projeção internacional no mundo da arte. E é nosso amigo. Aleluia!