Delegado Felipe Borba, titular da Delegacia de Polícia de Dois Irmãos
A decisão do STF, apesar de todas as discussões e polêmicas, tem alcance bastante restrito sobre a atividade policial de combate ao tráfico de drogas. Na prática, quase nada mudou.
Foi decidido que quem possuir até 40 gramas de maconha (ou seis plantas-fêmeas) para consumo próprio não comete crime. É decisão limitada à maconha e à figura do usuário.
A novidade está na fixação da quantidade que gera presunção de que se trata de droga para uso. Mas, assim como já acontecia, até porque está previsto na Lei 11.343/06, outras circunstâncias podem levar ao enquadramento da conduta como tráfico, afastando aquela presunção.
Mesmo que a pessoa seja flagrada com menos de 40 gramas de maconha, poderá ser autuada em flagrante por tráfico, bastando que outros aspectos, como a qualidade, o local, as circunstâncias pessoais e os antecedentes apontem para a traficância.
Em Dois Irmãos, raramente os autuados/indiciados possuem mais de 40 gramas, até por estratégia dos criminosos que, a fim de evitar a perda de grandes quantidades em caso de abordagem policial e para respaldar alegações de uso próprio, procuram andar com pequenas porções. Isto não impede, e a decisão do Supremo segue não impedindo, que haja prisões em flagrante em tais condições, ou que em inquérito policial, o(a) delegado(a) indicie o infrator por tráfico de drogas.
O que se decidiu foi apenas que o usuário que possuir menos de 40 gramas de maconha não pratica crime, logo não será processado criminalmente. A conduta continua ilícita, mas vai atrair apenas punições administrativas, como advertência e participação em cursos educativos. A droga será apreendida e quem estiver portando poderá ser levado à Delegacia, para que a situação seja avaliada pela autoridade policial, da mesma forma como já vinha ocorrendo.
Aliás, é importante ressaltar que, desde antes da decisão do STF, qualquer pessoa que fosse considerada usuária – por portar qualquer droga para uso próprio – já não vinha recebendo tratamento penal tradicional, pois não seria presa em flagrante, apenas assinaria um termo circunstanciado; ainda que fosse processada e condenada, jamais receberia pena de prisão. Na pior das hipóteses, e por muita falta de sorte, prestaria serviço comunitário.
Esta disciplina legal gerou críticas desde 2006, na medida em que, para muitos, faltou “coragem” aos parlamentares para descriminalizar o uso. Criaram uma espécie de “crime” sem “pena”.
O STF deu um passo no sentido da descriminalização, retirando a natureza penal da posse de maconha para uso próprio e criando um parâmetro objetivo de interpretação: a quantidade de até 40 gramas ou seis plantas-fêmeas, em caso de cultivo, gera uma presunção relativa de que o infrator é um usuário.
Ainda não estão definidos novos procedimentos a serem adotados, a serem regulamentados em breve, provavelmente pelo Conselho Nacional de Justiça, pois, se não há fato criminal, o papel das polícias deve ser revisto, da mesma forma como a atribuição para autuar em face da infração administrativa de “posse de maconha para uso”.
Como policial, sinto que esta decisão potencializa o aumento do consumo de maconha, inclusive de forma pública e ostensiva, na medida em que a gravidade abstrata da conduta foi abrandada, tornando-se mera infração de norma sanitária. Quem evitava circular com maconha, com receio de responder criminalmente ou gerar um antecedente policial, pode se ver encorajado a adotar comportamento mais ousado. E quem nunca teve contato com a droga, pode interpretar a decisão do STF como um estímulo à experimentação. E, se o uso é potencializado, logicamente o tráfico também, na medida que a droga segue ilegal e é comercializada por facções criminosas que dominam o mercado.
Como jurista, penso que estes temas fundamentais sobre a vida em sociedade devem ser tratados no ambiente mais democrático possível, o que, no atual modelo de estado brasileiro, encontra sua sede no Congresso Nacional. Os próprios Ministros do STF divergiram em diversos pontos sobre a matéria, o que revela o grau de complexidade do assunto e a necessidade de que todos os atores sociais participem e construam a disciplina normativa mais adequada para o atual cenário.