Por Alan Caldas – Editor
Aos 84 anos e trabalhando desde os 12, Rodolpho Lautert é uma relíquia da ourivesaria em Dois Irmãos e região.
Ele nasceu em 13 de junho de 1939, em Bom Retiro, um distrito de Taquari. Era o filho caçula de Theobaldo e Paulina Lautert, que além de Rodolpho tiveram, antes, Edegar, Clara, Germano, Lori, Alberto e Heinz.
Ele tem muita história. E o pai dele também tinha. Seu pai era um jovem açougueiro que foi levado para a Alemanha a fim de aprender outra profissão. Mas justo quando chegou lá estourou a Primeira Guerra Mundial. E ele não só não conseguiu fazer o curso como também não pôde mais sair do país. Só sairia anos depois, ao final do conflito mundial, e então retornou a Bom Retiro ainda como açougueiro.
Rodolpho quando menino só falava alemão. Era como que a língua oficial daquela região colonizada pelos povos germânicos. E, devido a isso, quando foi estudar viveu um suplício. Era o tempo da lousa e as aulas eram todas ministradas em português. Mas o menino Rodolpho não falava português, e passou poucas e boas naquela pequena Escola Paroquial de Bom Retiro.
A muito custo e esforço ele concluiu o primário. E o mandaram para Taquari, a fim de cursar o ginásio. Ele tinha 12 anos, estudava e trabalhava na relojoaria da irmã. Mas não conseguiu concluir o ginásio, porque “trocava as palavras”.
Naquela época nem professor sabia o que era isso. Hoje se sabe que provavelmente sofria de dislexia. É um distúrbio genético que dificulta a realização da leitura e da escrita. E, sendo assim, Rodolpho abandonou os estudos em Taquari e voltou para Bom Retiro, indo trabalhar na relojoaria do irmão aos 14 anos.
Seu irmão Alberto tinha o dom da ourivesaria e, observando o irmão, Rodolpho foi desenvolvendo a arte de fundir ouro e prata e de criar ligas. E pouco a pouco e parecendo um alquimista, Rodolpho desenvolveu a paciência e aprendeu a usar a forja, o maçarico, o cadinho, a laminar ouro e prata com laminador e a puxar fios de ouro e prata com fieira. E tornou-se profissional na arte da ourivesaria.
O sonho dele, porém, era ser aviador. Aos 19 anos viajou para Canoas e se alistou na aeronáutica. Fez muitos treinos e voos. Mas o mesmo problema da escola o impediria de seguir na carreira aeronáutica. Deu baixa aos 21 anos. Com honra ao mérito. E saiu de lá com cartas de recomendação por excelente comportamento.
Em 1959 Dois Irmãos se emancipou de São Leopoldo e de distrito virou cidade. Naquele ano a irmã de Rodolpho abriu aqui uma pequena relojoaria e ofereceu a loja para o Rodolpho, que ainda estava em Bom Retiro. A proposta dela era que ele ficaria com o valor de todos os consertos que fizesse e mais 20% das vendas. A sede era em um prédio que ficava onde hoje está a Galeria Ranft. A proposta era boa e caiu como uma luva na mão do jovem Rodolpho.
Veja a história:
No período em que estava na aeronáutica, Rodolpho foi visitar os pais e conheceu em Bom Retiro uma moça muito bonita. E que gostou dele tanto quanto ele gostou dela. O nome era Lery Elizabetha. Se olharam. Se gostaram. E os dois viram o destino um no outro.
Mas havia um problema: ele era evangélico. E a Lery era católica. A mãe dela jamais aceitaria ver a filha casar com um rapaz de outra religião. Porém eles se amavam. E se queriam. Eles sabiam que um era para o outro. Namoraram por 1 ano e meio. E a situação não mudava.
Mesmo a contragosto dos pais, casaram no dia 2 de julho de 1960. E quando a irmã fez a proposta para o Rodolpho vir para Dois irmãos, a Vanda, sua primeira filha, estava com poucos dias de vida. Então ele aceitou a proposta da irmã e veio assumir a loja em Dois Irmãos. Chegou aqui no dia 6 de março de 1961. E assim começa a história dos Lautert em Dois Irmãos.
Passariam 7 anos até que a família dela aceitasse e viesse vê-los pela primeira vez. Chegaram e finalmente conheceram a neta Vanda, que já estava com 7 anos. E se apaixonaram pela neta. Quando a outra filha deles, Anete, nasceu, a avó prontamente veio para ajudar dona Lery e ficar com ela durante e após o parto. E as famílias finalmente voltaram ao convívio fraterno.
Chegando em Dois Irmãos, Rodolpho logo se entrosou com a comunidade. Era o único profissional da área na cidade e a loja começou a ir bem. Ele fez amigos e lembra de quando Cláudio Bender o convidava para caçar e eles iam a cada duas semanas para Santa Vitória do Palmar e outras áreas da fronteira gaúcha. Também foi um dos fundadores do Lions na cidade. E esteve sempre envolvido em atividades que auxiliavam a comunidade.
Era um excelente atirador, o Rodolpho. Integrava o grupo de tiro da Sociedade Atiradores de Dois Irmãos. Ficou Rei do Tiro por 3 vezes, no famoso Baile do Rei do Tiro que existia na sociedade e no qual o Rei é que pagava a cerveja a noite toda. Participava em campeonatos de tiro com carabina apoiada em Blumenau, Brusque, Joinville e outras cidades. O tiro de carabina apoiada é dado num pequenino alvo colocado a 50 metros de distância. Havia lugares onde a distância do alvo era de 150 metros. E o Rodolpho atirava tão bem que chegou a ficar Campeão Interestadual num concurso entre os três estados do Sul. Deu 40 tiros, com 38 exatamente na mosca.
A vida lhe trouxe alegrias e o tempo algumas doenças. Rodolpho já enfartou, precisou colocar as “molinhas” nas veias próximas ao coração e chegou, mesmo, a pensar que partiria. Mas sobreviveu. Também já teve e superou dois cânceres. Mas nunca perdeu a alegria de viver. Está com 84 anos. Foi sempre um homem alto e forte. Tem 1,86m e calça 43. Mas o peso diminuiu: está com 68 kg. Dorme normalmente. Mas sonha pouco. Sua comida preferida é a caseira, feijão, arroz, aipim e carne com molho, especialmente. É torcedor do Grêmio. Dirige carro e pilota moto. Não caminha mais, pois “está no prego”, diz ele, e se dá umas voltinhas a pé pela quadra já cansa as pernas.
Sua profissão, diz ele, é uma ótima profissão. Mas exige paciência e organização. Ele segue ativamente. E ainda conserta muitos relógios. Parou com a fundição de ouro e prata. Faz algumas soldas, colares e alianças, mas é pouco agora, diz ele. Seu trabalho é 100% artesanal. E é lindo. O ourives é de fato um artista. E o Rodolpho nunca fez um curso para isso. Aprendeu na prática. No dia a dia. No erro e acerto. Por ele mesmo. É 100% autodidata. E é feliz!