Delegado Felipe Borba
O crime é um fenômeno social que segue “tendências” – para usar linguagem típica do mundo da moda. A forma como a sociedade lida com o delito também se adapta às novas “ondas”.
Se um dia nosso sentimento de insegurança era bastante vinculado à nossa residência, construímos muros, colocamos grades, e os mais precavidos instalaram alarmes, cercas elétricas e câmeras de monitoramento. O mesmo aconteceu com os veículos: alarme, corta-corrente, rastreador, e, para os mais temerosos, blindagem. Hoje, o receio de muitos é perder o celular, eis que o aparelho costuma conter arquivos e informações de cunho pessoal, cuja subtração atingiria muito mais a privacidade e a intimidade do que o aspecto patrimonial. Nesse ponto, as próprias empresas fabricantes tomaram providências a fim de resguardar o consumidor, através de senhas de acesso e de sistema de rastreamento, por exemplo, medidas que certamente desestimulam a prática do furto/roubo de tais objetos.
Atualmente, pode-se dizer que está em alta uma criminalidade “retrô”: o estelionato, o popular “golpe”. Recentemente, aqui em Dois Irmãos, a Delegacia de Polícia prendeu um sujeito que vinha praticando furtos em residências de áreas mais afastadas do centro e, em conversas mantidas por ele com um colega de profissão (ladrão em tempo integral), via celular, comentou que ainda furtava, mas que estava migrando para os golpes, por ser mais seguro e lucrativo. Inegável que os criminosos estão investindo nesse novo “look” (o ladrão tirou a touca-ninja e agora vem carregado na maquiagem virtual).
O engodo, o enliço, o embuste, o ardil, popularmente conhecidos como fraude, são potencializados na era digital. O PIX feito pela vítima é imediatamente sacado ou transferido pelo criminoso, que, muitas vezes, valendo-se da extrema facilidade do sistema bancário para a abertura de uma conta (pede apenas uma “selfie” como filtro de (in)segurança, e sequer possuem agências físicas), utiliza dados de um terceiro para conquistar um código autorizador de PIX. De igual forma, nas redes sociais (Instagram, WhatsApp, Facebook etc.), os pedidos de depósitos para parentes e amigos, oferta de vendas a conhecidos, exigência de transferência a pretexto de que a vítima manteve conversa íntima com menor de idade, “taxas” alegadamente cobradas por facções para empresários, proposta para quitação de dívida ou empréstimo, além do clássico caso do namorado virtual que precisa de auxílio financeiro, são fatos registrados diariamente nas Delegacias do país.
Infelizmente, e diferentemente de um bem que é subtraído do pátio de uma casa, a recuperação do valor repassado é quase impossível, e dificílima a identificação da autoria, pelos motivos já citados.
Assim, é importante não ficarmos “démodé”, sendo imprescindível uma imediata adaptação, lembrando que, conforme ensinado na faculdade de Direito, nas aulas de Direito Penal, a característica do estelionato e que o distingue dos demais crimes é justamente o comportamento da vítima, eis que nessa espécie de delito a pessoa ludibriada acaba praticando uma ação esperada pelo criminoso. No mundo atual e de forma corriqueira, tal atitude é a realização de um PIX.
Não é preciso negar dinheiro emprestado a filhos e parentes, recusar-se a comprar algo anunciado por um conhecido, privar-se de relacionamentos afetivos virtuais ou deixar passar oportunidade de quitar antiga dívida em melhores condições. Nem mesmo o PIX, em si, é algo abstratamente perigoso. Perigosa é a falta de atenção, a pressa em tentar resolver algo e a momentânea cegueira das quais a vítima costuma ser tomada no momento em que efetua uma transferência eletrônica de dinheiro – PIX, TED, boleto etc. Contra fraudes, somos nosso próprio sistema de segurança: a cerca elétrica é nossa mão, a câmera de monitoramento são nossos olhos, e a blindagem é nossa precaução.
Quando o criminoso aparecer, não esteja trajado de vítima, ou será a sua vez de desfilar na passarela do estelionato. Use e abuse do comportamento defensivo, cauteloso, e se certifique de que o motivo invocado para a realização da entrega de parte de seu patrimônio é real. Não é sem razão que o artigo 171 do Código Penal é o mais popular: nunca sai de moda. Fuja dessa promoção!
(Texto elaborado por Felipe Borba, Delegado Titular da Delegacia de Polícia de Dois Irmãos e Mestre em Direito.)