Por Delegado Felipe Borba, Titular da Delegacia de Polícia Civil de Dois Irmãos
Algumas perguntas tradicionais costumam ser feitas, quando abrimos espaço para que os alunos, ao final de nossas palestras escolares, manifestem-se. Qual é o crime com pena maior? A tua arma funciona? Já participou de um tiroteio? Mas, uma me trouxe um desafio especial, pois exigiu certa reflexão e cuidado na hora de responder: qual o crime mais ‘cabuloso’ que tive que investigar.
Apesar de não ser dotado de ótima memória, existe um caso do qual não esqueço nenhum detalhe: o assassinato de um menino de apenas 3 anos, pelo padrasto, mediante múltiplas agressões, incluindo o arremesso da vítima contra a parede do quarto. O assassino fugiu sem prestar socorro, alegando que a criança teria caído da cama, mas acabou confessando e esclarecendo detalhes do crime, que não fora testemunhado por ninguém. Mas, não é sobre isso que desejo falar.
Obviamente, não apresentei esta resposta à turma de alunos, para não macular o que há de mais importante nas crianças: a inocência, o desconhecimento sobre o grau de maldade que um ser “humano” pode alcançar.
Obrigado a pensar rápido e, ao mesmo tempo, não apresentar algo inverídico, expliquei que qualquer fato em que uma criança é vítima costuma ser muito pesado para nós, policiais, porque nosso trabalho é incapaz de “solucionar” o problema. O caso, sob o ponto de vista investigativo, pode até ser esclarecido, mas a situação da criança que sofreu qualquer abuso ou violência não pode ser “solucionado” por inteiro. No máximo, amenizada. A prisão do abusador nos trará a sensação de que aquele indivíduo não seguirá praticando crimes semelhantes, mas a satisfação profissional nunca é plena.
A criança abusada ou violentada é atingida no seu bem mais valioso, que, como mencionei, é a inocência. É como um vaso de cristal que se parte.
Como delegado, percebo o nítido desconforto dos policiais que recebem casos envolvendo crianças para investigar. Certamente, se pudessem escolher, evitariam, na medida em que o abalo psicológico é inevitável, por mais que estejam preparados, acostumados e dominem as técnicas policiais.
Sendo nosso trabalho, realizamos, e em se tratando de vítima criança, transformamos o desgaste em motivação, para maior empenho e rapidez na resposta. É o atingimento da inocência nos motivando na busca pela justiça adequada ao caso.
A preservação da inocência infantil, aliás, parece ser um dever natural, sendo as previsões legais apenas um reforço aos menos atentos. A própria natureza, com sua sabedoria, estimula nosso instinto de proteção, ao dar formas angelicais aos bebês e às crianças. Ocorre que nem todos os espíritos são devidamente sensibilizados.
Estejamos sempre atentos às crianças. Pela minha experiência, tenho segurança em afirmar que grande parte das infrações que vitimam os infantes são previsíveis, evitáveis. As escolas, a vizinhança, os familiares, se exercitarem este dever de cuidado, auxiliarão na preservação da inocência, quiçá da própria vida dos seres mais frágeis. Aquele enteado jamais deveria ter sido deixado aos cuidados exclusivos do padrasto desequilibrado.
Todos ganhamos ao viver em uma comunidade tomada de crianças mantidas inocentes. Peço, então, de Dia das Crianças: atenção e cuidado!
(Foto: Pixabay)