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O livro Medicina dos Horrores: A história de Joseph Lister, o homem que revolucionou o apavorante mundo das cirurgias do século XIX é para quem tem estômago forte e gosta da história e suas peculiaridades, algumas bizarras e macabras.
A obra de Lindsey Fitzharris apresenta um relato cruento das práticas incipientes da primeira metade dos anos 1800, um tempo sem anestesia, sem a menor preocupação com higiene.
– Na década de 1840, a cirurgia era um trabalho imundo, repleto de perigos ocultos, que deveria ser evitada a todo custo. Em função dos riscos, muitos cirurgiões se recusavam categoricamente a operar, optando, em vez disso, por restringir sua alçada ao tratamento de problemas externos, como doenças de pele e ferimentos superficiais. Os procedimentos invasivos eram muito raros, uma das razões por que tantos espectadores compareciam aos anfiteatros cirúrgicos em dias de procedimento. (...) O médico Thomas Percival recomendava aos cirurgiões que trocassem de avental e limpassem a mesa e os instrumentos entre as cirurgias, não por medida de higiene, mas para evitar “tudo que possa incitar pavor”. Poucos, no entanto, seguiam o conselho. O cirurgião, usando um avental imundo de sangue, raras vezes lavava as mãos e os instrumentos, e empestava o anfiteatro com o cheiro inconfundível de carne em putrefação, que os profissionais da área chamavam animadamente de “a boa e velha fedentina hospitalar”.
Era preciso ser rápido e destemido.
– Como muitos cirurgiões formados antes do alvorecer da anestesia, Syme trabalhava na velocidade de um raio – tal como seu primo, Robert Liston. Certa vez, amputou uma perna na articulação do quadril em aproximadamente um minuto, proeza ainda mais extraordinária ao se levar em conta que, até aquele momento, nem ele, nem qualquer outro cirurgião da Escócia havia realizado esse tipo de procedimento. A cirurgia não deixou de ter complicações, é claro. Quando Syme fez a primeira incisão no fêmur, logo abaixo da junta, um estalo foi ouvido em todo o anfiteatro cirúrgico. Ele retirou rapidamente a perna e seu assistente afrouxou a mão, de modo a soltar as artérias que precisavam ser amarradas. (...) Tempos depois, ele chamaria esse procedimento de “a maior e mais sangrenta operação na cirurgia”.
Com base em estudos do cientista francês Louis Pasteur, Lister escreveu seu nome na história ao experimentar e manipular o uso do ácido carbólico no combate a infecções – sim, não é coincidência: seu trabalho está na origem do mundialmente famoso antisséptico bucal Listerine.
– A adoção do método antisséptico de Lister foi o sinal externo mais destacado da aceitação de uma teoria microbiana por parte da comunidade médica, e assinalou o momento marcante em que a medicina e a ciência se fundiram – escreve Lindsey.
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Parece inacreditável a realidade excruciante daquela época. Não sei dos limites da evolução científica e da medicina, mas fico imaginando o que dirão de nós daqui a 100, 200 anos, quem sabe num diálogo por telepatia, a respeito de outros aspectos.
– Estou lendo um livro sobre 2022. Acredita que naquele tempo discriminavam e matavam pela cor da pele e por questões de gênero?
– Sério?
– Sem falar nas barbaridades que cometiam em nome de política, futebol e religião.
– Bah, aqueles eram tempos medonhos...