Padre Ariel Luiz Bühler – Paróquia São Miguel (Dois Irmãos)
Ao finalizar a obra da criação do universo, no sexto dia, formou Javé Deus ao homem do pó da terra, e insuflou-lhe no rosto alento de vida, e foi assim que o homem se tornou um ser vivo. Se em todas suas obras se havia alegrado, na formação do gênero humano Deus se regozijou sobremaneira: viu que era “muito bom” o que havia feito, testemunha a Escritura, como se o autor inspirado quisesse reafirmar a peculiar ação divina na criação do homem, feito à imagem e semelhança do Criador por sua alma espiritual e imortal. Não contente com isto, o Senhor conferiu-lhe gratuitamente uma participação de sua mesma vida íntima: fez dele filho seu e cumulou-o com os chamados dons preternaturais.
Para que os homens alcancem o Reino dos Céus, a Providência divina quis contar com sua livre colaboração. E para que essa colaboração na transmissão da vida não ficasse no vaivém de possíveis caprichos, o Senhor quis protegê-la mediante a instituição natural do matrimônio, elevado logo depois por Cristo à dignidade de sacramento.
A família — a grande família humana, e cada uma das famílias que haveriam de compô-la — é um dos instrumentos naturais queridos por Deus para que os homens cooperem ordenadamente em seu decreto Criador. A vontade de Deus de contar com a família em seu plano salvador será confirmada, com o correr dos tempos, através das distintas alianças que Javé foi estabelecendo com os antigos patriarcas: Noé, Abraão, Isaac, Jacó. Até que a promessa do Redentor recaia na casa de Davi.
Chegada a plenitude dos tempos, um anjo do Senhor anunciou aos homens o cumprimento do plano divino: nasce Jesus, em Nazaré, de Maria, por obra do Espírito Santo. E Deus provê para seu Filho uma família, com um pai adotivo, José, e com Maria, a Mãe virginal. Quis o Senhor que, também nisto, ficasse refletido o modo em que Ele deseja ver nascer e crescer seus filhos, os homens: dentro de uma instituição estavelmente constituída.
Pela sua missão natural e sobrenatural, pela sua origem, pela sua natureza e pelo seu fim, é grande a dignidade da família. Toda família tem una entidade sagrada e merece a veneração e solicitude de seus membros, da sociedade civil e da Igreja. Por isso, seria uma trágica corrupção de sua essência reduzi-la às relações conjugais, ou ao vínculo de sangue entre pais e filhos, ou a uma espécie de unidade social ou de harmonização de interesses particulares.
O lar há de ser a escola primeira e principal onde os filhos aprendem e vivem as virtudes humanas e cristãs. O bom exemplo dos pais, dos irmãos e dos demais componentes do âmbito familiar, refletem-se de maneira imediata na configuração das relações sociais que cada um dos membros dessa família estabelece. Não é casual, portanto, o interesse da Igreja pelo adequado desenvolvimento dessa escola de virtudes que há de ser o lar. Mas não é este o único interesse: mediante a colaboração generosa dos pais cristãos com o desígnio divino, Deus mesmo aumenta e enriquece sua própria família, multiplica-se em número e virtude o Corpo Místico de Cristo sobre a terra, e oferece-se a partir dos lares cristãos uma oblação especialmente grata ao Senhor.
A realidade familiar baseia-se em direitos e deveres. Antes de tudo as obrigações: todos seus membros devem ter consciência clara da dignidade dessa comunidade que formam e da missão que está chamada a realizar. Cada um deve cumprir seus deveres com um vivo sentido de responsabilidade, à custa dos sacrifícios que sejam precisos. Quanto aos direitos, a família reclama o respeito e a atenção do Estado por um duplo título: é a família que lhe deu origem, e porque a sociedade será o que forem as famílias.
Para cumprir todos estes deveres, é indispensável que os membros da família tornem sobrenatural seu afeto, como a família está elevada à ordem sobrenatural. Deste amor — suave e exigente ao mesmo tempo — brotam essas delicadezas que fazem da vida de família uma antecipação do Céu. O matrimônio baseado em um amor exclusivo e definitivo converte-se no ícone da relação de Deus com um povo, e, vice-versa, o modo de amor de Deus converte-se na medida do amor humano.
Nos momentos atuais da vida da sociedade, faz-se especialmente urgente voltar a inculcar o sentido cristão no seio de tantos lares. A tarefa não é simples, mas é, sim, apaixonante. Para contribuir com esta imensa obra, que se identifica com a de voltar a dar tom cristão à sociedade, cada um há de começar por “varrer” a própria casa.
Adquire então particular importância na consecução deste projeto a educação dos filhos, aspecto fundamental da vida familiar. Para responder a este grande propósito - educar numa sociedade em boa medida descristianizada - convém recordar duas verdades fundamentais: A primeira é que o homem está chamado a viver na verdade e no amor. A segunda é que cada homem realiza-se mediante a entrega sincera de si mesmo. Na educação estão implicados tanto os filhos como os pais, primeiros educadores, de modo que só se pode dar na recíproca comunhão das pessoas; o educador, de algum modo “engendra” em sentido espiritual, e segundo esta perspectiva, a educação pode ser considerada um verdadeiro apostolado. É uma comunicação vital, que não só estabelece uma relação profunda entre educador e educando, mas que faz ambos participarem na verdade e no amor, meta final a que está chamado todo homem por parte de Deus Pai, Filho e Espírito Santo.