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E daí que eu não sou tão imprudente para entrar na discussão que vocês imaginam. Primo pela saúde mental, a minha e a sua, por isso declino de opiniões externadas e extremadas. Como Weintraub, meu cachorro, sou de poucas palavras e latidos. Rosno de quando em vez, mas nada que acorde os vizinhos. Afinal, a loucura dos outros é sempre condenável, enquanto a nossa, apenas complacente. E, para manter saudáveis os dentes, eu e Weintraub temos evitado ossos duros demais para roer.
Pandemia, histeria, grosseria, tudo parece um coletivo de perigosas aglomerações e abalroamentos.
Num futuro próximo (que para alguns já dobra a esquina), padeceremos de disritmias colaterias, um efeito do que temos feito com nossas palavras e sentimentos quando nos deixamos levar pelo improviso desastrado do sangue quente. Nosso sábio presidente, mestre na arte de sem querer querendo meter os pés pelas mãos, acaba de imprimir um signo destes ditos tempos modernos. Seu já clássico ‘e daí?’ resume o que muitas vezes eu penso do pensamento do outro ou o que o outro compreende da minha compreensão sobre o que está posto. E aposto que você também, por vezes, cede à tentação – nem que seja em pensamento – de partir para as vias de fato desconsiderando justamente os fatos.
E daí que eu vou ofender?
E daí que eu vou machucar?
E daí que é mentira?
E daí que é a minha verdade?
E daí que vai dar merda?
Nesses momentos, nos transformamos em fábricas de certezas, não importando se certas ou erradas, se danosas, inconsequentes ou meramente provocativas. E o mais grave: o que provocamos e o que nos provoca costumam ter a mesma raiz interior.
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– E daí?
‘E daí?’ foi o que eu respondi a Weintraub quando ele emitiu seu lamento por conta da derrocada de Gabriela Pugliesi, a digital influencer que foi do céu ao inferno por socializar fora de tom nas redes sociais. Entendo seu compadecimento pela reluzente Gabriela. Digo mais: compartilhá-lo-ia não houvesse questões e personagens mais prementes e estrepitosos.
– E o Moro? E o Bolsonaro? – ousei perguntar.
Weintraub, estirado no tapete da sala, escondeu os olhos e o focinho sob as patas dianteiras e soltou uma espécie de suspiro enfadado. Na hora, tive a ligeira sensação de que ele ficou com pena de mim também...