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Por que parece que sempre temos que estar fazendo algo?
Ao mesmo tempo em que a vida se prolonga, queremos vivê-la de modo mais rápido, intenso, como se não fosse dar tempo para tudo. Mas o que é esse tudo que tanto imaginamos? Talvez, seja nada.
Contradição é a pedra fundamental da nossa existência. Parecemos doidos varridos querendo uma coisa e caminhando na direção oposta. Reclamamos da falta de tempo no mundo real, enquanto que no virtual nos desfazemos dele, o tempo, sem cerimônia e sem se dar conta (do estrago). Mas a conta vem; já está vindo.
Dormir bem, por exemplo, virou artigo luxo. Não digo privilégio dos bem-afortunados materialmente, mas dos que sabem dispor do seu dia. A maioria de nós tem noites insones, entrecortadas. Levamos para a cama o rolamento a que estamos acostumados nas redes sociais, correndo os olhos pelas vidas dos outros e deixando a nossa se esvair numa espécie de ‘modo avião’. Quer dizer: estamos ligados a tudo, menos a nós mesmos.
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A socióloga Amber Case já disse que o celular é o novo cigarro.
- A tecnologia não é ruim, mas seu uso está nos desconectando e escravizando. Chegamos a olhar o celular entre 1.000 a 2.000 vezes por dia. Temos que começar por redefinir nossa relação com a tecnologia: é uma ferramenta, muito útil, mas tem que nos tornar livres. O celular é o novo cigarro: se fico entediada, dou uma olhada nele. Não mande mensagens vazias de emoção, convide seus amigos para um jantar na sua casa – declarou a norte-americana em entrevista ao jornal El País.
Ela entende que é preciso se dar espaços para pensar e viver experiências reais.
- Quando me levanto pela manhã devo me perguntar se dedico tempo a mim mesma, se posso meditar, desenhar, se escrevo. Mas o fato é que o meu dia a dia está tomado pelas notificações do telefone, do computador. Então, que tempo de reflexão me reservo? Estamos conscientes da quantidade de alertas que nos cercam? Silencie o telefone, desative as notificações. Ponha o celular no modo avião e decida você mesmo quando quer interagir com ele. Recupere o despertador! Carregue um jornal com você, anote o que você faz, as pessoas com quem cruza, o que lhe chama a atenção. O cérebro sofre com a conexão constante. Faça uma experiência se você não acredita: depois de várias horas navegando, seria capaz de recordar o que viu e como se sentiu? – questiona a socióloga.
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Todo vício é capcioso, desregula nossas impressões, desestabiliza nossas (poucas) certezas.
Quase sempre, só nos damos conta do que pode acontecer quando já aconteceu. E a abstinência é um aviso cruel, que invariavelmente se apresenta conjugado no passado: EU AVISEI! Sabemos que não adianta lamentar as perdas, é preciso superá-las. De um jeito ou de outro, tudo se recupera, menos o tempo. E menos mal que para muitos de nós ainda há tempo.
Não tardará e teremos clínicas de reabilitação para drogados tecnológicos – vai ver, até já existe algo parecido. O mantra do combate a outros vícios também serve para a nossa dependência dessas parafernálias: SÓ POR HOJE NÃO VOU OLHAR MEU CELULAR DE MINUTO EM MINUTO. SÓ POR HOJE.
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A propósito...
Enquanto escrevia, perdi a conta do número de vezes que o celular pulou na minha frente. Juro, essa desgraça parece ter vida própria! Definitivamente, vício é coisa do capeta. Pretendo me policiar mais. Às vezes, fazer nada é tudo o que a gente precisa para se endireitar.